segunda-feira, 27 de setembro de 2010

A lucidez perigosa

Clarice Lispector

Estou sentindo uma clareza tão grande


que me anula como pessoa atual e comum:


é uma lucidez vazia, como explicar?


assim como um cálculo matemático perfeito


do qual, no entanto, não se precise.




Estou por assim dizer


vendo claramente o vazio.


E nem entendo aquilo que entendo:


pois estou infinitamente maior que eu mesma,


e não me alcanço.


Além do que:


que faço dessa lucidez?


Sei também que esta minha lucidez


pode-se tornar o inferno humano


- já me aconteceu antes.


Pois sei que


- em termos de nossa diária


e permanente acomodação


resignada à irrealidade -


essa clareza de realidade


é um risco.




Apagai, pois, minha flama, Deus,


porque ela não me serve


para viver os dias.


Ajudai-me a de novo consistir


dos modos possíveis.


Eu consisto,


eu consisto,


amém.